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Controle inicial da admissibilidade da execução

Controle inicial da admissibilidade da execução

A atividade jurisdicional cognitiva movimenta a vida das partes, impõe-lhes a contratação de advogados, o dispêndio de custos decorrentes do litígio e acarreta-lhes preocupações e ansiedade acerca do desfecho da solução do conflito. Porém, com a exceção da execução das tutelas provisórias, a fase de conhecimento do processo pouco invade a esfera de liberdade das partes.

 

Sobre o processo de execução

 

A instauração do processo de execução ou da fase executiva, por outro lado, desencadeia atos que interferem diretamente na vida do executado, atingindo seus bens, sua vontade e, eventualmente, sua reputação e liberdade. A partir da sua citação – e até antes da comunicação processual, em algumas hipóteses -, o executado está à mercê da execução, podendo sofrer constrições no seu patrimônio, receber ordens para praticar ou se abster de praticar determinada conduta ou para entregar algum bem que esteja na sua posse. A interferência da execução na vida do executado é severa e imediata.

 

Por óbvio, na maior parte das vezes essa interferência é previsível, decorrente da condenação ocorrida na fase cognitiva do processo ou do inadimplemento de obrigação sobre a qual o executado tinha plena ciência. E a atividade executiva é essencial para a concretização do direito do exequente, na ausência de cumprimento voluntário.

 

 A execução é o acesso à justiça palpável, perceptível e que muda, de fato, a vida do exequente.

 

Por essa razão, a atividade jurisdicional executiva é orientada pelo interesse do exequente (art. 797 do CPC), que teve seu direito assegurado previamente, mas que depende da prática de atos executivos para ver materializado o que está no papel. 

 

Desse modo, para que o exequente possa ter seu direito tutelado e concretizado por meio da execução, necessita demonstrar a existência desse direito, sua titularidade, o descumprimento da obrigação, o quanto devido, a legitimidade passiva do executado e outros requisitos que o legislador considerou indispensáveis à autorização da interferência do Estado na vida do executado.

 

Compete, pois, ao juiz a verificação desses requisitos mínimos. Esse controle é exercido pelo juiz em toda a execução e nas ações e incidentes satélites, que orbitam a execução com matérias de defesa suscitadas pelo executado ou por terceiros. Não obstante esse contínuo zelo do magistrado, é no início da execução, antes da citação do executado, que o juiz pode barrar demandas indevidas que causem prejuízos desnecessários ou dar maior efetividade às execuções que preencham os requisitos legais.

 

Proteção da esfera de liberdade do executado e da efetividade da tutela jurisdicional

 

Surge para o exequente a possibilidade de perseguir judicialmente seu direito ao atendimento de uma obrigação sempre que esse direito já foi certificado e se encontra estampado em um título executivo e o obrigado deixou de satisfazê-lo no vencimento. É essencial para a ordem social que o titular possa se socorrer do Estado para que seu direito reconhecido deixe de ser uma mera promessa e se concretize. Daí a possibilidade de a execução desencadear de imediato a prática de atos executivos que interferem na vida do executado, mesmo antes da possibilidade de apresentação de defesa na fase executiva.

Para alcançar esse estágio, o exequente passou pela demonstração judicial de seu direito ou recebeu a anuência expressa do executado a respeito da obrigação. Não há mais o que se aguardar para que lhe sejam disponibilizados meios de alcançar materialmente aquilo que fora anteriormente atestado.

 

Pode-se discutir a adequação da escolha do legislador acerca da quantidade de títulos executivos extrajudiciais previstos na lei brasileira ou da existência de títulos que são formados sem a aquiescência do devedor. No entanto, existindo o direito, é legítimo o interesse do credor de ver a obrigação cumprida voluntariamente ou que tenha meios de impô-la pela intermediação da atividade jurisdicional do Estado.

 

Não se nega, porém, a gravidade dos atos decorrentes do ajuizamento da execução e o potencial prejuízo que acarretam à esfera de liberdade do executado. Essa intromissão pode ser legítima, resultante da existência do direito do exequente acompanhada do não cumprimento voluntário da obrigação, ou indevida, caso falte à pretensão executiva algum de seus elementos essenciais. 

 

Desse modo, como guardião do direito de ambas as partes, compete ao juiz, ab initio¸ verificar a existência do direito alegado pelo exequente. Se existente, é lícita a utilização da força estatal em prol dos interesses do credor. Se, porém, inexiste o direito invocado na petição inicial, cabe ao juiz a proteção do executado, impedindo que uma execução irregular acarrete graves consequências na vida do réu sem que ele tenha oportunidade de demonstrar tempestivamente os vícios por meio de defesa.

 

Ao receber a petição inicial da execução ou o requerimento de início do cumprimento de sentença, o magistrado deve examinar os argumentos e documentos oferecidos pelo exequente e avaliar o preenchimento dos requisitos exigidos por lei para a admissão da execução. Esse momento inicial não deve ser desprezado ou enxergado como um mero despacho ordinatório à espera das alegações do executado. A decisão inicial de admissibilidade da execução é um momento chave, pela qual o juiz está diante da chance de proteger eficazmente o direito do exequente ou do executado.

 

Parece-me que o juiz possui três alternativos caminhos a seguir no primeiro exame que faz da pretensão executiva, logo após sua veiculação pelo exequente. Se ausente algum dos requisitos essenciais da execução – v.g. ausência de título, obrigação não vencida, ilegitimidade das partes, inexigibilidade da obrigação etc. -, competirá ao juiz oferecer prazo para a correção do vício sanável (art. 801 do CPC) ou, ao menos, conceder a oportunidade para que o exequente se manifeste em contraditório a respeito de vício aparentemente incurável. 

 

Por meio dessa medida, o juiz está protegendo o executado de uma execução irregular, evitando que seus bens, sua vontade, sua reputação e/ou sua liberdade fiquem à mercê de atos executivos antes mesmo de ele poder se defender eficientemente.[1] É grande a responsabilidade do magistrado nesse momento, como gatekeeper do acesso a medidas drásticas, que só podem ser oferecidas ao titular do direito legítimo.

 

Se, por outro lado, o exequente reúne todos os pressupostos legais para principiar a execução, cabe ao juiz, depois da minuciosa análise da petição inicial, determinar a citação ou intimação do executado para cumprimento espontâneo da obrigação, já contendo a ameaça expressa (v.g. art. 523, § 1º, art. 806, § 2º, art. 814, todos do CPC) ou velada (v.g. art. 827 do CPC) de prática de meios executivos coercitivos e sub-rogatórios.

 

Em alguns casos, porém, o magistrado precisa ir além da mera determinação de citação/intimação do executado. Sempre que a efetividade da tutela jurisdicional estiver em risco decorrente da existência de indícios de ocultação patrimonial, de alienação fraudulenta de bens, liquidação de ativos ou qualquer outra situação que imponha alguma medida protetiva imediata, o juiz está incumbido da determinação de medidas cautelares que resguardem o direito do exequente de ver a obrigação adimplida. Nessas hipóteses, o juiz serve de guardião do direito do exequente e da própria efetividade do acesso à justiça, que se encontra em risco em virtude da conduta extrajudicial do executado.

 

Da mesma forma que o exequente deve demonstrar o preenchimento dos requisitos necessários à instauração da execução, para que o juiz possa dar início à comunicação do executado, também deve requerer expressamente a tutela provisória e comprovar a presença dos pressupostos autorizadores da concessão da medida cautelar adequada.

Nas três situações – extinção da execução que não preenche seus requisitos, citação/intimação do executado quando cumpridas as exigências legais e prática de medidas cautelares para assegurar a efetividade da execução – o juiz está diante de um poder-dever, por meio do qual deve agir ao receber o pedido de inauguração da atividade executiva, sem protrair para momento posterior. O adiamento do cuidadoso exame da petição inicial e da admissibilidade da execução pode levar à penalização indevida do executado, em caso de execução irregular, ou à inutilidade da execução, quando não são tomadas medidas para coibir fraudes e dilapidação patrimonial antes da citação do executado.

 

Objeto de cognição judicial

 

Ao receber a petição inicial da execução ou a petição contendo o requerimento de instauração do cumprimento de sentença, o juiz está incumbido de realizar o exame de admissibilidade da execução antes de importunar o executado. Mas o que deve ser analisado nesse momento exordial? Em outras palavras, qual o objeto de cognição judicial na averiguação de admissibilidade da execução?

 

Antes de responder a essa indagação, é necessário entender qual o conteúdo da admissibilidade e do mérito na execução. Na atividade cognitiva, o mérito corresponde à pretensão condenatória, declaratória ou (des)constitutiva. Na execução, por seu turno, já ocorreu previamente a certificação do direito do exequente a uma prestação. Desse modo, a sua pretensão é a realização empírica desse direito, por meio da prática de medidas executivas. O mérito, pois, na execução é a materialização do direito mediante a consumação de atos voltada ao cumprimento da obrigação[2]. Deriva do imperium estatal[3], que permite aos magistrados a determinação de medidas destinadas à concretização da pretensão executiva, isto é, o cumprimento da obrigação pelo próprio executado, estimulado pelos atos coercitivos ordenados pelo juiz, ou por força da atividade do próprio Estado ou de terceiros, que substitui a vontade do executado na realização de atos sub-rogatórios.

 

O exequente, entretanto, necessita demonstrar que é merecedor dessa proteção do Estado, que descortina os atos executivos. Para tanto, deve comprovar ao juiz que atende às regras de admissibilidade prevista para a espécie de execução que almeja instaurar.

O exercício regular do direito de ação pressupõe o preenchimento de requisitos referentes ao direito material – as chamadas condições da ação – e à relação jurídica processual – os pressupostos processuais. Alguns desses requisitos estão atrelados à ideia de impedir o prosseguimento de ações temerárias. Desse modo, o autor precisa demonstrar que, abstratamente, sua pretensão tem chance de ser acolhida no futuro: as partes processuais são as mesmas que se encontram presentes na relação de direito material, o recurso ao judiciário é necessário e útil para alcançar aquilo que é pretendido pelo autor e o pedido veiculado é permitido pelo ordenamento jurídico vigente.

 

Além disso, outras exigências dirigidas ao autor de uma demanda têm como escopo atender interesses adicionais: a melhor organização da administração da justiça, por meio de regras de competência, a presença de advogados para uma adequada defesa dos interesses das partes, o processamento do processo perante juiz imparcial e independente, para se alcançar decisões isentas, o oferecimento de causa de pedir e pedido na petição inicial, capaz de possibilitar o exercício do contraditório pelo réu e uma cognição mais racional da pretensão do autor, etc.

 

As condições da ação e os pressupostos processuais são, pois, o objeto de cognição judicial quando do exame de admissibilidade de uma pretensão. A ausência de um desses requisitos impede ou posterga o enfrentamento da pretensão do autor. 

 

[1]  GRECO, Leonardo. O Processo de Execução. Vol. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 195: “O despacho positivo desencadeia contra o devedor uma série de atos coativos, sem que ele tenha sido prévia oportunidade de defender-se. (…) Não é justo sujeitar o devedor à penhora ou ao depósito para defender-se, sem que o juiz tenha desde logo verificado a concorrência dos pressupostos específicos da execução – certeza, liquidez e exigibilidade do título -, dos demais pressupostos processuais e das condições da ação”.

[2]DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Admissibilidade e mérito na execução. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 47/1987, p. 24-42: “Entretanto, como vimos, o mérito não é, necessariamente, o Direito Material; segundo a mais elaborada doutrina, o conceito de mérito corresponde, como vimos, ao de pedido. Ora, se mérito é pedido, há mérito na execução, porque nele há pedido. Pede-se, in executivis, a satisfação dos direitos do credor. Portanto, os atos praticados, no processo executório, para a satisfação desse direito, constituem o mérito da execução”.

[3] ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 18ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 161.

 

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