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Preferência decorrente da anterioridade da penhora no concurso de credores

Preferência decorrente da anterioridade da penhora no concurso de credores

Neste artigo, Diogo Rezende de Almeida apresenta um breve estudo sobre a preferência decorrente da anterioridade da penhora no concurso de credores; leia agora!

Generalidades: o caminho trilhado pelo credor na execução por quantia certa

 

A execução por quantia certa contra devedor solvente se desenvolve com o objetivo de alcançar a satisfação do crédito do exequente. O recebimento pelo credor pode se dar pelo pagamento realizado pelo executado, estimulado por medidas executivas coercitivas, como a aplicação de multa, a lavratura de protesto cambial, a restrição de crédito em serviços de proteção aos credores e até a prisão civil, na execução de alimentos.

 

No entanto, mais comumente os objetivos da execução são concretizados pela utilização de meios sub-rogatórios, pelos quais se expropriam bens do patrimônio do executado, que serão apropriados ao patrimônio do exequente ou de terceiro como forma de pagamento ou de angariação de recursos para satisfação do crédito exequendo. Os meios sub-rogatórios permitem ao Estado substituir a vontade do executado, retirando-lhe bens, transformando-os em dinheiro e entregando o numerário alcançado pela expropriação ao credor.

 

Iniciada a execução, ao executado – devedor e demais responsáveis pela dívida – é concedida a oportunidade de pagamento espontâneo, inclusive com algumas vantagens, como a redução dos honorários advocatícios pela metade (art. 827, § 1º, do CPC) e a não incidência de multa de 10% sobre o valor da dívida (art. 523, § 1º, do CPC). Não é muito comum, porém, que ocorra o pagamento espontâneo nesse primeiro momento, pois se o executado já deixou que sua inadimplência levasse à instauração do processo executivo, dificilmente oferecerá ao exequente o dinheiro devido em tão curto prazo. É o que a experiência demonstra.

 

Nesse cenário, o sucesso da empreitada executiva dependerá da localização e constrição de bens do executado. Identificados os bens, o exequente pleiteará ao juízo da execução que ocorra sua penhora. O itinerário mais corriqueiro a partir daí é a avaliação e posterior expropriação desses bens. Alguns ativos não dependem de avaliação, como o dinheiro, e outros contam com cotação em mercado, o que dispensa a avaliação judicial.

 

Realizada a avaliação, que é o parâmetro para se considerar adequado o preço oferecido por interessados em adjudicação ou arrematação, o processo segue para a transferência da propriedade do bem penhorado ao exequente (adjudicação) ou a um terceiro (arrematação). Na primeira hipótese, o crédito é satisfeito pelo recebimento do bem adjudicado pelo credor. Já na arrematação, o numerário obtido na alienação judicial do bem é entregue ao credor até o limite de seu crédito.

 

Pluralidade de credores e ordem de recebimento

 

Esse pequeno introito a respeito do procedimento executivo para a satisfação de obrigação pecuniária está muito longe de revelar os inúmeros percalços possíveis e rotineiramente enfrentados na execução e as agruras suportadas pelos resilientes credores na busca do recebimento do que lhes é devido. O preâmbulo serviu-me apenas para chegar mais perto do ponto de interesse desse estudo.

 

Feliz o credor que consegue localizar bens penhoráveis do executado capazes de satisfazer seu crédito, ultrapassa todos os obstáculos da execução e recebe o fruto da arrematação realizada. Mesmo o exequente que consegue encontrar os ativos do executado, obtém o deferimento judicial da penhora e concretiza a expropriação, pode deparar-se com outros credores na mesma situação, que também almejam satisfazer seu crédito em face de devedor comum.

 

O devedor em crise pode ter deixado de adimplir obrigações com inúmeros credores, o que potencialmente leva ao ajuizamento de inúmeras ações executivas, enquanto uma execução coletiva – processos de insolvência, falência ou recuperação judicial – não toma seu lugar.

 

Nessas situações, o patrimônio do executado provavelmente é insuficiente para satisfazer a integralidade dos créditos. Para solucionar esse problema de escassez de ativos capazes de fazer frente à totalidade do endividamento do executado, o legislador poderia optar por alguns caminhos: (i) rateio proporcional entre credores (par conditio omnium creditorum); (ii) rateio entre credores com crédito da mesma natureza, estabelecendo uma ordem de preferência; (iii) recebimento preferencial pelo credor mais ágil (prior in tempore, potior in jure).

 

O ordenamento jurídico brasileiro optou por uma mescla entre a segunda e a terceira opções. Segundo o art. 908 do CPC, havendo concurso de credores do mesmo devedor – sem que haja um processo concursal, repita-se -, receberá primeiro o credor que tenha sido agraciado por alguma preferência prevista em lei, como ocorre com créditos trabalhistas e fiscais. Na ausência de credores com preferências legais ou quando sobrar algum numerário depois de pagos os credores preferenciais, predomina o critério da anterioridade da penhora.

 

Desse modo, entre os credores quirografários, terá preferência no recebimento do bem ou do fruto da alienação do bem aquele que o penhorou em primeiro lugar.

 

A anterioridade da penhora

 

Subsistindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem e sendo o fruto da venda insuficiente para pagamento de todos os credores, surge a necessidade de instauração de concurso de credores perante o juízo onde ocorreu a arrematação.

 

Para a definição da ordem de pagamento, será utilizado o critério estabelecido no art. 908, § 2º, do CPC: “não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora”.

 

Mas qual seria o marco temporal para definição da preferência? Alguns atos processuais poderiam ser o gatilho do privilégio de um credor em detrimento dos demais, a saber: (i) protocolo do pedido de penhora do bem; (ii) decisão de deferimento da penhora; (iii) lavratura do termo ou do auto de penhora; (iv) registro da penhora no órgão competente, na hipótese de bem que se submeta a registro.

 

A penhora se constitui mediante lavratura do respectivo auto (ou termo). Nesse momento, o bem do patrimônio do devedor foi individualizado para responder por sua dívida. Exatamente por essa condição que se cria no momento de lavratura do auto, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que é esta a data que caracteriza a preferência do credor.[1] O registro da penhora, quando cabível, tem apenas o escopo de dar conhecimento a terceiros acerca da constrição. Não altera a ordem de preferência.[2]

Parece-me inadequada, porém, a posição predominantemente sustentada pelos tribunais. Não se discute aqui que a penhora se constituiu com a lavratura do auto ou do termo, como preconiza o art. 839 do CPC. Entretanto, extrair a preferência do credor de acordo com a anterioridade do auto acaba por privilegiar a sorte em desfavor da competência.

Explico.

 

Imagine-se um credor que tenha protocolado seu pedido de penhora de um imóvel do executado em 15 de junho. Outro credor, requer a penhora sobre o mesmo bem em 17 de setembro, mas, por sorte, sua execução tramita em juízo mais rápido e seu pedido é apreciado e deferido primeiro, seguindo-se com a imediata lavratura do termo de penhora. O credor que veiculou primeiro seu pedido, que descobriu antes o bem do devedor e foi mais ágil na tentativa de constrição do bem, foi ultrapassado na preferência pelo credor que teve mais felicidade no sorteio.

 

O modelo eleito pelo legislador para o concurso de credores foi o de preferência por anterioridade, ou seja, tentou privilegiar o credor mais diligente. No entanto, essa intenção não se concretiza com a possibilidade de o credor ágil perder sua preferência caso sua execução seja distribuída para um juízo mais assoberbado de trabalho do que o juízo onde tramita a execução do credor concorrente.

 

Evidentemente, a utilização da data do pedido como termo a quo para fixação de preferência depende da boa-fé do credor. A veiculação extemporânea ou ilegal do pedido, apenas para garantir preferência futura, não concede o benefício. Se o credor, ainda na fase de conhecimento, por exemplo, requer a penhora de bem, não pode receber a preferência ainda que venha a ser acolhido seu pedido condenatório futuramente.

 

Por esses motivos, parece-me mais apropriado que a penhora se constitua por meio da lavratura do auto ou do termo, mas sua eficácia, para fins de preferência no recebimento em caso de concurso de credores, retroaja à data de protocolo do pedido de penhora, desde que a conduta do credor se paute na boa-fé.

 

Conclusão

 

Nesse pequeno estudo, objetivei apresentar o problema diariamente enfrentado por credores que possuem créditos contra devedores em crise e uma tentativa de melhor elucidação do problema.

 

Para que a intenção do legislador de privilegiar o credor mais diligente seja atendida, o critério de preferência contido no art. 908, § 2º, do CPC deve ser interpretado no sentido de que o marco temporal a ser considerado para a anterioridade da penhora é a data de protocolo do pedido de constrição, e não a data de lavratura do auto ou do termo.

 
 
 

[1] STJ. AgInt no REsp nº 1.161.821/SP. Relator: Min. Marco Buzzi. 4ª Turma. Julgamento em 07.06.2016. DJ em 17.06.2016; STJ. REsp nº 1.209.807/MS. Relator: Min. Raul Araújo. 4ª Turma. Julgamento em 15.12.2011. DJ em 15.02.2012;

[2] 1.1.3.   STJ. REsp nº 31.475/RN. Relator: Min. Waldemar Zveiter. 3ª Turma. Julgamento em 29.06.1993. DJ em 30.08.1993; 1.1.2.         STJ. REsp nº 829.980/SP. Relator: Min. Sidnei Beneti. 3ª Turma. Julgamento em 01.06.2010. DJ em 18.06.2010.

 

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