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A Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência

Depois de quinze anos de vigência, o regramento da insolvência do empresário no Brasil demandava uma reforma mais substancial. Muito embora não revogue a Lei 11.101/2005, mantendo sua estrutura, a Lei 14.112/2020 traz significativas alterações nos processos de recuperação judicial e falência.

A reforma realizada, que entra em vigor já em janeiro de 2021, consolida entendimentos arraigados na jurisprudência de nossos tribunais – como, por exemplo, a prorrogação do stay period, se a demora da aprovação do plano não decorreu da (in) atividade do devedor -, positiva medidas já estimuladas pelo Poder Judiciário na experiência de casos complexos – um exemplo é o incentivo à mediação e à conciliação entre devedor e credores e entre outros envolvidos, como acionistas, sócios, controladores etc. – e oferece novidades que tentam melhorar o ambiente de restruturação, como a criação da negociação prévia e a enumeração de novos meios de recuperação judicial.

 

O presente estudo, dividido em cinco partes, tem como objetivo abordar as principais alterações introduzidas pela Lei. 14.112/2020, a fim de facilitar o conhecimento por todos aqueles que se dedicam à recuperação judicial e à falência.

 

1. Petição inicial e pedido de recuperação judicialO empresário que objetiva a repactuação de suas dívidas via recuperação judicial deve distribuir petição inicial e preencher os requisitos previstos no art. 51 da Lei 11.101/2005. Lá constam requisitos como a exposição da situação patrimonial do devedor e os motivos que o levaram à crise, a apresentação das demonstrações contábeis recentes e a relação de credores, entre outros.

 

Com a nova redação dada pela Lei 14.112/2020, outros documentos e informações passaram a ser exigidos: (i) a descrição das sociedades integrantes do grupo econômico, de direito ou de fato (art. 51, inciso II, e); (ii) a inclusão, na relação de credores, dos credores não-sujeitos à recuperação judicial (art. 51, inciso III); (iii) o relatório detalhado do passivo fiscal (art. 51, inciso X); (iv) a relação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante, incluídos aqueles não sujeitos à recuperação judicial, acompanhada dos negócios jurídicos celebrados com os credores de que trata o § 3º do art. 49 (art. 51, inciso XI).

 

Os novos documentos e informações exigidos servem à apresentação de uma radiografia mais precisa da sociedade empresária ou do grupo econômico, de modo que os credores possam verificar com mais clareza a viabilidade de soerguimento da empresa e do plano de recuperação judicial proposto.

 

O valor da causa constante da petição inicial deve corresponder ao montante dos créditos sujeitos à recuperação judicial (art. 51, § 5º).

 

A reforma positivou uma prática corriqueira, que vinha sendo adotada em inúmeros processos de recuperação judicial. Antes de deferir o pedido de processamento, o juiz pode nomear perito para realizar uma constatação prévia (art. 51-A), cuja finalidade é verificar (i) a existência de atividade empresarial, de modo a evitar pedidos fraudulentos, destinados a proteger empresas que não estão mais em operação; e (ii) a regularidade e a completude da documentação apresentada, isto é, se foram anexados à petição inicial todos os documentos exigidos pela lei.

 

Antes da reforma, tornou-se comum a determinação judicial de realização de perícia prévia com o intuito de analisar viabilidade econômico-financeira do devedor. Se a perícia constatasse que a empresa não era viável sob esse aspecto, o juiz se inclinava pelo indeferimento do processamento da recuperação judicial. O legislador reformista, porém, vedou a utilização da constatação prévia para exame da viabilidade econômica do devedor e o indeferimento do processamento por este motivo (art. 51-A, § 5º).

 

De fato, a análise realizada pelo perito antes da apreciação do pedido de processamento da recuperação judicial é muito superficial, em virtude do prazo exíguo que se oferece ao profissional para a elaboração de seu laudo. No entanto, não me parece correto vedar o indeferimento do processamento em hipótese de evidente ausência de viabilidade da empresa, quando facilmente aferível do exame dos documentos apresentados. A recuperação judicial serve à reestruturação de empresas viáveis em dificuldade, mas não pode ser usada para submeter inúmeros credores a um processo claramente destinado ao fracasso.

 

Nomeado o perito, o laudo deve ser apresentado no prazo máximo de cinco dias. O prazo tão curto se justifica pelos potenciais prejuízos que a demora da apreciação do pedido de processamento pode ocasionar ao devedor. Depois de tornado público o pedido de recuperação judicial, o devedor terá maior dificuldade de obtenção de crédito e seus credores passarão a tomar medidas mais enérgicas de cobrança. Desse modo, o pleito de proteção – que inclui o stay period – deve ser objeto de decisão o quanto antes.

 

Com o propósito de tornar todo esse processamento célere, a lei reformada prevê que não haverá apresentação de quesitos, nem serão ouvidos devedor e credores para a realização da constatação. Apresentado o laudo, o juiz decidirá. Se concluir que o pedido esconde a intenção fraudulenta de proteção à empresa inativa, o juiz o indeferirá (art. 51-A, § 6º). A constatação prévia pode indicar também que o local do principal estabelecimento do devedor não se insere na área de competência do juízo onde tramita a recuperação judicial. Nessa hipótese, o juiz determinará a remessa dos autos ao juízo competente (art. 51-A, § 7º).

 

2. Consolidação processual e consolidação substancial

 

Não é novidade o pedido de recuperação judicial em litisconsórcio ativo formado por empresas do mesmo grupo econômico. Em um grande número de processos, as empresas optam pela estratégia de veiculação de um pedido conjunto. Embora não houvesse previsão na Lei 11.101/2005, o litisconsórcio ativo na recuperação judicial era admitido pelos tribunais e acolhido pela doutrina especializada, com base no regramento contido no Código de Processo Civil.

 

Por outro lado, as espécies de litisconsórcio e seus consequentes efeitos têm sido objeto de grandes discussões. Admitem-se, com efeito, duas modalidades de litisconsórcio: a consolidação processual e a consolidação substancial. Pela primeira, os devedores em litisconsórcio se valem do mesmo processo, contudo, segregam suas respectivas listas de credores, apresentam planos de recuperação judicial distintos, que são votados separadamente. O destino de cada uma das empresas pode ser diverso: enquanto um dos litisconsortes tem seu plano aprovado e se recupera o outro não resiste à recuperação judicial e quebra.

 

Na consolidação substancial, em razão da relação simbiótica entre as empresas do grupo, é apresentada uma única lista de credores, um único plano de recuperação judicial, que é votado por todos os credores do grupo, mesmo que um credor não possua crédito contra um dos litisconsortes. O destino é único para todos os devedores: ou o plano é aprovado em assembleia e todas as empresas que se encontram no polo ativo ganham uma nova chance de soerguimento ou plano é rejeitado e todas quebram.

 

Como não havia previsão na Lei 11.101/2005 acerca dos requisitos para se adotar uma ou outra modalidade de litisconsórcio ativo, os tribunais foram estabelecendo entendimentos para solucionar os casos concretos, admitindo a consolidação substancial desde que presentes algumas características que revelem a confusão patrimonial entre as sociedades, comumente identificada a partir da identidade societária e de endereço, garantias cruzadas, participação em negócios comuns etc.

 

A reforma introduziu dispositivos que diferenciam as duas modalidades e seus efeitos. Por meio do art. 69-G, o novo regramento passa a admitir especificamente o pedido de recuperação judicial por empresas que integram o mesmo grupo econômico, em litisconsórcio ativo. Em regra, segue-se a forma de consolidação processual. Cada um dos devedores deverá apresentar a documentação obrigatória de maneira separada e individualizada (art. 69-G, § 1º), o pedido deverá ser realizado perante o juízo do local do principal estabelecimento do grupo como um todo (art. 69-G, § 2º), as empresas litisconsortes, integrantes do grupo econômico, deverão apresentar separadamente meios de recuperação específicos, ainda que em um único plano (art. 69-I, § 1º) e os planos serão objeto de deliberações e votações em assembleias independentes e individualizadas para cada devedor (art. 69-I, § 2º). Na hipótese de convolação da recuperação judicial em falência para um ou parte dos litisconsortes, o processo será desmembrado em tantos processos quantos forem necessários (art. 69-I, §§ 3º e 4º).

 

Não obstante a regra seja segregação dos devedores e de suas estratégias de recuperação, a Lei 14.112/2020 permite que o juiz autorize a consolidação substancial dos ativos e passivos do grupo devedor se constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, duas das seguintes situações (art. 69-J): (i) existência de garantias cruzadas; (ii) relação de controle ou de dependência; (iii) identidade total ou parcial do quadro societário; e (iv) atuação conjunta no mercado entre os postulantes.

 

Como consequência da consolidação substancial, os ativos e passivos dos litisconsortes serão considerados como se fossem de um único devedor (art. 69-K), acarretando a extinção imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor em face de outro (art. 69-K, § 1º). Autorizada essa modalidade de litisconsórcio, os devedores apresentarão plano único, que será submetido à deliberação e votação em uma só assembleia, com todos os credores dos devedores (art. 69-L).

 

3. Competência

 

A competência para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência é do juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil, conforme prevê o art. da Lei 11.101/2005. O art. 6º, § 8º define regras de prevenção, que fazem atrair a competência para o juízo no qual já se processou um pedido anterior de falência ou de recuperação judicial. A reforma aumenta a lista de prevenções, indicando que a distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.

 

4. Recuperação judicial do produtor rural

 

A Lei 11.101/2005 não regulava com muitos detalhes a possibilidade de proteção do produtor rural mediante pedido de recuperação judicial. Como o art. 48 exigia que o devedor, independentemente de sua área de atuação, deveria demonstrar o exercício regular de sua atividade empresarial pelo prazo mínimo de dois anos, discutia-se a forma de comprovação desse exercício pelo produtor rural. O § 2º do mesmo dispositivo dispunha que as pessoas jurídicas com atuação na produção rural deveriam comprovar o exercício da atividade por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ. A lei não regulava, porém, a forma de comprovação do empresário rural pessoa natural.

 

O Código Civil, em seu art. 967, considera “obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”. Desse modo, parte da doutrina e da jurisprudência passou a interpretar que o produtor rural só poderia se valer da recuperação judicial se comprovasse o exercício de sua atividade empresarial pelo prazo de dois anos depois de ocorrido o registro.

 

No entanto, o próprio Código Civil contém regime distinto para a atuação do produtor rural. O art. 970 dispõe que “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes” e o art. 971 determina que “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”.

 

Interpretando esses dispositivos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisao publicada em 30.5.2019,[1] considerou que o registro do produtor rural tem natureza declaratória – com eficácia ex tunc, portanto -, podendo ser comprovado o exercício regular da atividade empresarial pelo prazo mínimo de dois anos por outros meios.

 

Seguindo essa orientação, o legislador reformista alterou a forma de comprovação do exercício da atividade rural por pessoa jurídica – admitindo agora a apresentação da Escrituração Contábil Fiscal (art. 48, § 2º) – e introduziu a forma de demonstração do tempo de atividade do produtor rural pessoa física.

 

Dispõe o art. 48, § 3º, da Lei 11.101/2005, com a redação dada pela Lei 14.112/2020, que “para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente”.

 

Desse modo, mesmo que o produtor rural não tenha realizado a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis há pelo menos dois anos, poderá cumprir a exigência do art. 48 mediante comprovação do exercício da atividade empresarial por meio da apresentação de livro caixa, declaração de imposto de renda e balanço patrimonial.

 

Para evitar confusão entre o endividamento do produtor rural pessoa física decorrente de sua atividade empresarial com as dívidas contraídas em sua vida pessoal, os §§ 6º e 7º do art. 49 excluem do regime concursal algumas dívidas: (i) dívidas em geral que não decorram da atividade empresarial; (ii) a dívida contraída nos 3 anos anteriores ao pedido com o objetivo de aquisição de propriedade rural (art. 49, § 9º); (iii) as dívidas oriundas de contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados (art. 6º, § 13); (iv) as dívidas e as garantias cedulares vinculadas à Cedula de Produto Rural com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou em caso de CPR representativa de operação de troca por insumos – salvo motivo de força maior ou caso fortuito impeça a entrega do produto (art. 11, § 1º, Lei nº 8.929/1994).

 

5. Efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial

 
 

Estando em ordem o pedido do devedor e preenchidos os requisitos exigidos em lei, será deferido o processamento da recuperação judicial. Essa decisão de deferimento, prevista no art. 52 da Lei 11.101/2005, desencadeia efeitos, ônus e deveres. Neste mesmo ato, o juiz nomeará o administrador judicial, determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores, determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, ordenará a intimação do Ministério Público e das Fazenda Públicas e, finalmente, ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, com as ressalvas previstas no art. 52, III, da Lei 11.101/2005.

 

A Lei 14.112/2020 trouxe novidades acerca desses efeitos. A suspensão das ações e execuções movidas contra o devedor – conhecida como stay period – sofreu modificações relevantes. Inicialmente, adotando a posição do Superior Tribunal de Justiça, o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º será contado em dias corridos, como dispõe o art. 189, § 1º, I, e não em dias úteis.

 

O prazo de 180 dias deixa de ser improrrogável, como previsto na redação originária da Lei 11.101/2005, e passa a ser excepcionalmente prorrogável por igual período, uma única vez, “desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal”. A antiga redação do art. , § 4º, da Lei n. 11.101/05 previa de forma muito contundente que o período de suspensão das ações terminaria depois de decorridos 180 dias, o qual não se sujeitaria a nenhuma hipótese de ampliação.

 

Em que pese a redação anterior ser expressa quanto à vedação de prorrogação do stay period, era largamente aceita na doutrina e aplicada pelos tribunais a tese de que o período de suspensão poderia ser estendido se a realização da assembleia de credores e a votação do plano não tivessem ocorrido por motivos não imputáveis ao devedor.[2] A jurisprudência temperou a redação do mencionado dispositivo com o princípio da preservação da empresa e da inimputabilidade da morosidade da administração da justiça ao devedor, derrogando a sua literalidade e admitindo a prorrogação do período de suspensão das ações. Desse modo, a alteração legislativa positiva o entendimento pretoriano e uniformiza a extensão do prazo.

 

Parece-me, contudo, que o juiz pode dilatar o stay period por prazo inferior a 180 dias. Embora o legislador tenha indicado o diferimento por igual período, o juiz pode, desde que o atraso não decorra de ato do devedor, alongar o prazo de suspensão por até 180 dias, não podendo ultrapassar esse prazo, porquanto a lei autoriza somente a prorrogação “por igual período”. Não me parece, pois, que o legislador facultou a extensão do prazo exclusivamente pelo mesmo período inicial de suspensão; 180 dias é o prazo máximo de prorrogação.

 

Durante o stay period, as ações e execuções que visam à cobrança de créditos concursais permanecem suspensas. O art. , III, introduzido pela Lei 14.112/2020, veda “qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência”.[3]

Porém, por força do art. 49, §§ 3º e 4º da lei, as ações e execuções que têm como objeto créditos não sujeitos à recuperação judicial continuam a correr, podendo haver a prática de atos constritivos – como arresto, penhora e sequestro – destinados à satisfação de créditos extraconcursais.

 

Havia uma discussão perante os tribunais acerca da competência para o exame do pedido de constrição realizado por credor extraconcursal. Alguns precedentes indicavam que a competência seria do juízo da execução,[4] outros defendiam a competência do juízo onde corria o processo de recuperação judicial,[5] ao passo que existiam precedentes considerando competente o juízo da execução, mas exigindo a consulta prévia ao juízo da recuperação judicial.[6]

 

Na tentativa de resolver a controvérsia, o § 7-A do art. 6º, introduzido pela Lei 14.112/2020, confere competência ao juízo da recuperação judicial para “determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão”.

 

Como o legislador menciona apenas a “suspensão”, optou-se, na reforma, por outorgar competência ao juízo da execução, onde se persegue a satisfação de crédito não sujeito à recuperação judicial, para a análise e o deferimento de pedidos de constrição de bens do devedor, podendo, a posteriori, ocorrer a suspensão do ato constritivo por decisão do juízo onde tramita o processo de recuperação judicial, se a constrição recaiu sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial.

 

Destarte, o novo § 7-A do art. 6º (i) permite a realização de atos constritivos deferidos pelos juízos das execuções não afetadas pelo stay period, sem necessidade de consulta ou autorização prévia do juízo recuperacional; (ii) confere competência ao juízo onde tramita a recuperação judicial para rever a decisão do juízo da execução, autorizando-lhe a sustação de seus efeitos durante a vigência do stay period.

 

O § 7-B do art. 6º versa sobre situação semelhante, mas relacionada às execuções fiscais, também não atingidas pelo stay period. O juízo da execução fiscal poderá deferir medidas executivas constritivas. Porém, o juízo da recuperação judicial está autorizado a “determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial”.

 

O novo entendimento não se distancia da posição da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça de que “[…] apesar de as execuções fiscais não ficarem suspensas, cabe ao Juízo da recuperação analisar a pretensão constritiva direcionada contra o patrimônio da recuperanda, o que ocorreu no presente caso.”[7]

 

Atualmente, estão afetados o REsp 1712484-SP, REsp 1694261 e ProAfR no REsp 1694316, que discutem a possibilidade de prática de atos de constrição patrimonial provenientes de créditos fiscais. Parece que a utilidade da definição destas teses jurídicas desapareceu diante da alteração legislativa, apenas autorizando um controle ex post dos atos de constrição realizados pelos juízos onde tramitam as execuções fiscais.

 

A reforma trouxe uma novidade relevante para as empresas que atuam na prestação de serviços ou no fornecimento de produtos ao Poder Público. A Lei 11.101/2005 previa que o deferimento do processamento da recuperação judicial acarretava a dispensa da apresentação de certidões negativas para o exercício de atividades pelo devedor, “exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.

 

Desse modo, se parcela relevante das receitas do devedor provinha da contratação com o Poder Público, a recuperação judicial não se mostrava uma via eficiente de restruturação. A Lei 14.112 excluiu a exigência de certidões negativas de débitos fiscais para a contratação com o Poder Público. Portanto, se deferido o processamento da recuperação judicial, o juiz determinará a dispensa de certidão negativa de débitos para a prática da atividade empresarial pelo devedor, possibilitando a prestação de serviços e o fornecimento de bens e produtos ao setor público ainda que existam débitos fiscais. A única ressalva consta da redação do próprio inciso II, do art. 52: o devedor deve estar em dia com a seguridade social, na forma do art. 195, § 3º da Constituição Federal.

 

Ainda sobre os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial, o legislador reformista introduziu, no art. , § 12, da Lei 11.101/2005, a referência expressa à possibilidade de o juiz antecipar os efeitos da decisão de deferimento, na forma do que dispõe o art. 300 do CPC, que versa sobre a tutela provisória de urgência.

 

Sem dúvida, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela é salutar, especialmente nos casos em que é determinada a realização de constatação prévia e, consequentemente, é postergado o exame do pedido de recuperação judicial. Evita-se, assim, que delongas na verificação dos documentos apresentados pelo devedor e da existência de atividade empresarial possam ocasionar prejuízos à empresa.

 

No entanto, a menção à tutela provisória não traz qualquer inovação, apenas reforça a possibilidade já amplamente admitida de utilização dessa ferramenta – e de outros institutos processuais – prevista no CPC. Preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC, referentes à tutela de urgência, ou aqueles indicados no art. 311, acerca da tutela de evidência, poderá haver a antecipação dos efeitos da decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial.

 

6. Novas atribuições do administrador judicial

 

O administrador judicial exerce papel indispensável na recuperação judicial e na falência. São muitas as suas atribuições, elencadas no art. 22 da Lei 11.101/2005. A reforma acrescentou novas atividades a serem exercidas pelo administrador.

 

Na recuperação judicial e na falência, o administrador judicial, a partir da vigência da reforma, também deverá: (i) estimular o uso da conciliação, da mediação e de outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência; (ii) manter site na internet, com informações atualizadas sobre os processos de falência e de recuperação judicial, com a opção de consulta às peças principais do processo; (iii) manter endereço eletrônico específico para o recebimento de pedidos de habilitação ou a apresentação de divergências, ambos em âmbito administrativo, com modelos que poderão ser utilizados pelos credores; (iv) providenciar, no prazo máximo de quinze dias, as respostas aos ofícios e às solicitações enviadas por outros juízos e órgãos públicos, sem necessidade de prévia deliberação do juízo.

 

Na recuperação judicial, além das atribuições listadas na redação original da lei, a reforma acresceu os seguintes deveres: (i) fiscalizar a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor; (ii) fiscalizar o decurso das tratativas e a regularidade das negociações entre devedor e credores; (iii) assegurar que devedor e credores não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações; (iv) assegurar que as negociações realizadas entre devedor e credores sejam regidas pelos termos convencionados entre os interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo administrador judicial e homologadas pelo juiz; e (v) apresentar, para juntada aos autos e no endereço eletrônico específico, relatório mensal das atividades do devedor e relatório sobre o plano de recuperação judicial.

 

Na falência, o administrador judicial recebeu as seguintes novas funções: (i) representação judicial e extrajudicial, incluídos os processos arbitrais, da massa falida; e (ii) arrecadação dos valores dos depósitos realizados em processos administrativos ou judiciais nos quais o falido figure como parte, oriundos de penhoras, bloqueios, apreensões, leilões, alienação judicial e de outras hipóteses de constrição judicial.

 

7. Estímulo à mediação e à conciliação

 

Os processos de falência e recuperação judicial envolvem interesses de inúmeros sujeitos. Em torno do devedor circundam empregados, prestadores de serviço, agentes públicos, financiadores da atividade empresarial, clientes, competidores etc. Além disso, participam no âmbito interno da empresa seus acionistas, sócios, controladores, administradores e conselheiros. A insolvência comumente ocasiona inúmeros focos de conflito, que devem ser geridos para a consecução dos objetivos da falência e da recuperação judicial.

 

Não é de hoje que se reconhece a inadequação do processo judicial para resolver todo e qualquer conflito. A arbitragem e a conciliação já são previstas em lei e estimulados pelo Estado há muito tempo. Mais recentemente, com o CPC/2015 e a Lei 13.140/2015, a mediação também ganhou espaço entre os meios de solução de conflitos utilizados no país.

Nada mais natural que um ambiente tão propício para o surgimento de litígios como a falência e a recuperação judicial se servisse também de mecanismos autocompositivos, como a mediação e a conciliação. A Lei 14.112, nesse intuito, introduziu dispositivos que estimulam o uso e regulamentam esses meios de resolução de conflito no âmbito dos processos concursais de insolvência. Não obstante a normatização realizada agora, esses mecanismos já vinham sendo usados, especialmente em processos complexos de recuperação judicial.

 

O art. 20-B previu a utilização de mediação ou conciliação, antecedente ou incidental, nos seguintes casos: (i) disputa entre sócios ou acionistas do devedor; (ii) litígio envolvendo créditos não-sujeitos à recuperação judicial; (iii) conflitos envolvendo concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e órgãos reguladores ou entes públicos; (iv) litígios envolvendo créditos extraconcursais contra empresas em recuperação judicial durante período de vigência de estado de calamidade pública, a fim de permitir a continuidade da prestação de serviços essenciais; e (v) negociação de dívidas antecedente à veiculação do pedido de recuperação judicial.

 

O rol legal é exemplificativo. Desde que o conflito tenha como objeto direito transacionável, é possível o emprego de mediação, conciliação ou outro método autocompositivo.

 

Curiosamente, o § 2º do art. 20-B veda a conciliação e a mediação que tenham como objeto a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores. O intuito, parece-me, é evitar que negociações entre devedor e credor prejudiquem a coletividade de credores. No entanto, a lei permite que a natureza jurídica e a classificação do crédito sejam objeto de disposição, uma vez que o credor ou o devedor podem deixar de apresentar impugnação ao crédito conforme arrolado pelo administrador judicial, mantendo-se o crédito como listado, mesmo que a classificação e/ou valor estejam equivocados.

 

Se, por exemplo, o credor oferece impugnação, demonstrando o equívoco da classificação de seu crédito e o devedor, examinando as provas apresentadas, se convence do erro, é plenamente possível que as partes transacionem. Se a transação no ambiente da impugnação é possível, a utilização da mediação ou conciliação não deveria ser vedada.

 

Evidentemente, se devedor e credor entabularem acordo de má-fé, contendo informações inverídicas e simulação ou fraude com o intuito de lesar outros credores, a transação pode não ser homologada pelo juiz ou ser objeto de pedido posterior de invalidação, por meio de medida judicial instaurada pelo credor prejudicado, pelo administrador judicial ou pelo Ministério Público.

 

8 Alterações com relação ao Plano de Recuperação Judicial

 

a) Novos meios de recuperação da empresa

 

A reforma legislativa inseriu no rol do art. 50 da Lei 11.101/05 dois novos meios de recuperação da sociedade devedora, sendo eles a possibilidade de: (i) conversão da dívida em capital social (inciso XVII); e (ii) venda integral da sociedade devedora (inciso XVIII), desde que assegurado aos credores extraconcursais condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam em caso de falência.

 

O desrespeito aos direitos dos credores extraconcursais, na hipótese de venda integral da devedora, confere-lhes a prerrogativa de requerer a convolação da recuperação judicial em falência, em conformidade com o disposto no inciso VI do art. 73, recém inserido, segundo o qual “o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial” enseja a decretação da falência no curso do processo de recuperação judicial.

 

Ainda na hipótese de venda integral da devedora, o inciso XVIII determina que a integralidade da devedora será considerada uma unidade produtiva isolada. Sendo assim, o arrematante não sucederá a devedora em suas obrigações, conforme intelecção do art. 141, II, da Lei 11.101/05.

 

De acordo com o § 3º do art. 50, a conversão da dívida em ações ou quotas representativas do capital social, o aporte de novos recursos e a substituição dos administradores não acarretarão a sucessão ou a responsabilidade por dívidas de qualquer natureza do credor que capitalizar a sua dívida, do investidor que efetuar o aporte ou do novo administrador da recuperanda. Sem a isenção de responsabilidade, a alienação de ativos e da própria integralidade da empresa devedora atrairia muito menos interessados, resultando em menos recursos obtidos na venda e, consequentemente, em menor vantagem aos credores.

 

b) O plano alternativo de recuperação judicial apresentado pelos credores

 

Antes da reforma trazida pela Lei nº Lei 14.112/20, com exceção da possibilidade de aditamentos prevista no art. 56, § 3º, apenas o devedor possuía a prerrogativa de elaborar o plano de recuperação judicial e submetê-lo ao crivo dos credores concursais. Todavia, a reforma passou a prever duas situações que autorizam os credores a apresentar um plano alternativo de soerguimento: (i) caso o plano apresentado pelo devedor não seja objeto de deliberação dentro do prazo de stay period[4] (§ 4º-A, art. 6º); e (ii) se o plano originário for rejeitado em assembleia-geral de credores, conforme dispõe a nova redação do art. 56, § 4º, da Lei11.101/05.

 

Nesta segunda hipótese – isto é, rejeição do plano apresentado pelo devedor pelo voto dos credores reunidos em assembleia – o administrador judicial submeterá à votação assemblear a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que os credores interessados apresentem plano de recuperação judicial alternativo (§ 4º, art. 56). A concessão do prazo de 30 (trinta) dias pressupõe a aprovação de credores que representem mais de 50% dos créditos presentes em AGC (§ 5º, art. 56).

 

Desse modo, a rejeição do plano em AGC, em vez de resultar na imediata convolação em falência (conforme a antiga redação do art. 73, III), ocasiona uma sobrevida ao devedor, caso os credores prefiram se mobilizar para oferecer uma sugestão de recuperação que seja aceitável e tenha mais chances de alcançar o quórum necessário de aprovação em todas as classes.

 

O § 6º do art. 56 prevê as condições que devem ser observadas, cumulativamente, para que o plano alternativo possa ser submetido à deliberação. Em primeiro lugar, deve cumprir com as exigências do art. 53, contendo: (i) a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados; (ii) a demonstração da viabilidade econômica da atividade exercida pelo devedor; e (iii) o laudo econômico-financeiro e o laudo de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscritos por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada (inciso II).

 

Em segundo lugar, o plano alternativo, para que possa ser submetido à votação, deve contar, ab initio, com o apoio, por escrito, de mais de 25% dos créditos concursais ou de mais de 35% dos créditos presentes em AGC (inciso III). Ademais, o plano não pode imputar novas obrigações aos sócios do devedor (inciso IV) e não pode impor ao devedor ou aos seus sócios sacrifício maior do que aquele decorrente da liquidação na falência (inciso VI). O dispositivo prevê, ainda, que o plano alternativo não será posto em votação caso tenha sido aprovado o plano originário por cram down, nos termos do art. 58, § 1º (inciso I).

 

Por fim, para que possa ser submetido à votação, o plano alternativo deverá prever a liberação das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais (inciso V). Nos termos do referido dispositivo, a cláusula de liberação das garantias pessoais será oponível apenas aos credores que apoiarem por escrito o plano alternativo ou que aprovarem o plano em AGC.

 

A nosso ver, esse entendimento deve ser utilizado como vetor de interpretação para a hipótese de supressão de garantias fidejussórias previstas no plano apresentado pelo devedor, pois deixa clara a intenção do legislador reformista, que pretende afastar o credor dissidente da submissão à cláusula que prevê a supressão das garantias pessoais. Tal entendimento confronta com a posição adotada até então pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que, no julgamento do Recurso Especial nº 1.700.487/MT, entendeu pela possibilidade de supressão das garantias reais ou fidejussórias previstas no plano, mesmo sem a anuência expressa do credor titular da garantia.

 

Conforme disposto no § 7º do art. 56, o plano de recuperação judicial alternativo apresentado pelos credores poderá prever a capitalização dos créditos mesmo se da capitalização decorrer a alteração do controle da sociedade devedora, devendo ser assegurado aos sócios remanescentes o direito de retirada.

 

Como se sabe, via de regra, o juiz deverá convolar a recuperação judicial em falência se a votação em assembleia não atingir o quórum previsto no art. 45 da Lei 11.101/05. A exceção a essa regra é a concessão da recuperação judicial por cram down, que confere ao magistrado a possibilidade de aprovar o plano mesmo que este tenha sido rejeitado pela maioria dos credores. De acordo com os requisitos previstos no § 1º do art. 58 da Lei 11.101/05, o juiz poderá conceder a recuperação judicial desde que, no mesmo conclave, o plano tenha obtido, cumulativamente: (i) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor dos créditos presentes em assembleia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de ao menos duas classes de credores, nos termos do art. 45 (e, caso existam somente duas classes, a aprovação de uma classe de credores); e (iii) o voto favorável de mais de um terço dos credores, nas classes em que o plano tiver sido rejeitado, computado de acordo com os §§ 1º e 2º do art. 45.

 

A reforma modificou os requisitos para a aprovação do plano de recuperação judicial por cram down, mediante alteração do inciso II, § 1º do art. 58, que passou a exigir “a aprovação de 3 (três) das classes de credores ou, caso haja somente 3 (três) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 2 (duas) das classes ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas, sempre nos termos do art. 45 desta Lei.”, tornando mais difícil a aprovação do plano de recuperação judicial por cram down, se comparada à regra anterior.

 

c) Prazo para pagamento dos créditos trabalhistas e tratamento distinto para os credores parceiros

 

Nos termos do art. 54 da Lei 11.101/05, o plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

 

Todavia, o legislador reformista flexibilizou essa regra com a inserção do § 4º, segundo o qual o prazo previsto no caput do art. 54 poderá ser estendido em até dois anos se atendidos, cumulativamente, alguns requisitos: (i) apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz; (ii) aprovação do plano de recuperação judicial por mais de 50% dos credores trabalhistas presentes na AGC, independentemente do valor do seu crédito (art. 45, § 2º); e (iii) garantia do pagamento da integralidade dos créditos trabalhistas. Em outras palavras, como contrapartida pela extensão do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas, estes deverão ser pagos em sua integralidade, não sendo possível estipular deságio para pagamento dessa classe de credores.

 

Outra inovação importante trazida pela reforma diz respeito à possibilidade de se prever no plano de recuperação judicial tratamento distinto para os credores parceiros. A doutrina[5] e a jurisprudência[6] já admitiam flexibilização do princípio par conditio creditorum para estipular condições de pagamento mais favoráveis aos credores colaboradores ou financiadores, que se dispusessem a continuar a financiar a empresa durante o processo de recuperação judicial.

 

Com a Lei 14.112/20, essa possibilidade ganhou contornos legais, tendo em vista que a nova redação do parágrafo único do art. 67 da Lei 11.101/05 autoriza a previsão de tratamento diferenciado aos credores fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que: (i) os bens e serviços sejam essenciais, isto é, necessários à manutenção das atividades da recuperanda; e (ii) a diferença de tratamento seja adequada e razoável, no que concerne à relação comercial futura.

 

9. Novas atribuições da AGC e formas alternativas de deliberação

 

A reforma legislativa trouxe algumas modificações quanto ao funcionamento da AGC no processo de recuperação judicial e falimentar. A primeira delas é a criação de uma nova atribuição, indicada na alínea g do inciso I do art. 35 da Lei 11.101/05, que dispõe que o conclave de credores deverá deliberar sobre a alienação de bens ou direitos integrantes do ativo não circulante do devedor.

 

Ademais, outra importante alteração diz respeito à convocação da AGC. Antes da reforma, exigia-se a publicação do edital em órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e das filiais da devedora. Por outro lado, a nova redação do art. 36 da Lei 11.101/05 determina que a convocação se dará mediante publicação do edital no diário oficial eletrônico e disponibilização no site do administrador judicial.

 

Com a inserção do § 4º no art. 39 da Lei 11.101/05, foram instituídas formas alternativas de deliberação, que substituem o debate e a votação em AGC para todos os efeitos, sendo elas: (i) termo de adesão firmado por credores que representem mais da metade do valor dos créditos concursais (inciso II); (ii) votação realizada por meio de sistema eletrônico que reproduza as condições de tomada de voto na AGC (inciso II); ou (iii) qualquer outro mecanismo que o juiz considere suficientemente seguro (inciso III).

 

Embora o inciso III tenha ampliado a discricionariedade do juiz, o legislador atribuiu ao administrador judicial e ao Ministério Público a função de fiscalizar as formas alternativas de deliberação. Nos termos do § 5º do art. 39, o administrador judicial emitirá parecer sobre a regularidade dos novos formatos de deliberação previstos antes da homologação judicial do plano. No mesmo sentido, o § 4º do art. 45-A determina que as formas alternativas de deliberações serão fiscalizadas pelo administrador judicial, que deverá emitir parecer sobre a sua regularidade, após oitiva do Ministério Público.

 

No que concerne à cessão do crédito concursal, o § 7º do art. 39 cria a exigência de cientificar o juízo da recuperação judicial acerca da cessão. Ademais, a Lei 14.112/20 estipulou de forma expressa que os créditos cedidos a qualquer título manterão a sua natureza e classificação (art. 83, § 5º) – inclusive os créditos trabalhistas, tendo em vista a revogação do parágrafo 4º[7] do art. 83 da Lei nº 11.101/05. Essa previsão tem o condão de fomentar a cessão dos créditos trabalhistas, atraindo mais investidores e permitindo ao trabalhador antecipar receitas com menor deságio.

 

Além disso, anteriormente à reforma, doutrina[8] e jurisprudência[9] entendiam que os credores deviam levar em consideração não apenas os seus interesses particulares, mas também o interesse da sociedade e dos demais credores, ao proferir o seu voto em assembleia, em atenção ao art. 187 do Código Civil[10] e ao princípio da preservação da empresa. Muitas vezes, esses fundamentos eram utilizados para anular o voto do credor relevante, proferido em contrariedade com o voto dos demais credores da classe, e, por conseguinte, aprovar o plano de recuperação judicial por cram down.

 

O § 6º do art. 39, inserido pela Lei 14.112/20, tratou de limitar a interpretação da abusividade do direito de voto, ao prever que o voto será reputado abusivo apenas se exercido com o propósito manifesto de obter vantagem ilícita para si ou para outrem. Como uma das consequências possíveis, a limitação do conceito de voto abusivo pode acabar tornando ainda mais rara a aprovação do plano por cram down.

 

10. Venda de ativos no curso da Recuperação Judicial

 

A alienação de unidades produtivas isoladas (UPI) é uma das principais formas de soerguimento da empresa em recuperação judicial e de realização de ativos no processo falimentar. Por força do parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05, o arrematante da UPI não sucede o devedor em suas obrigações, salvo as exceções do § 1ª do art. 141[11], o que torna esse ativo mais atrativo para potenciais interessados, já que o trespasse de estabelecimento comercial fora do âmbito da recuperação judicial e da falência implica a sucessão das obrigações. Com a nova redação atribuída ao art. 60, parágrafo único, encerrou-se a discussão sobre a sucessibilidade das dívidas que, agora, independentemente da sua natureza – inclusive da legislação anticorrupção -, não são transferidas aos adquirentes, estimulando, assim, a compra de ativos dos devedores em recuperação judicial. Com a reforma, o conceito de UPI tornou-se mais abrangente, pois o art. 60-A, recém incluído, determina que a unidade produtiva isolada pode ser um ativo ou conjunto de ativos de qualquer natureza – bens ou direitos, tangíveis ou intangíveis.

 

O art. 66 da Lei 11.101/05 impõe ao devedor, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, certas restrições para alienação de bens no curso da recuperação judicial. Antes da reforma, o devedor era proibido de alienar ou onerar bens ou direitos do seu ativo permanente, salvo em hipótese de evidente utilidade reconhecida pelo juiz. Com a nova redação do art. 66, a expressão “ativo permanente” foi substituída por “ativo não circulante”, no qual se incluem os ativos realizáveis a longo prazo. Em termos práticos, isso significa que o devedor precisará de autorização judicial para realizar operações de factoring e de cessão de crédito, o que era dispensado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[12].

 

Apesar de suprimida pela reforma a expressão “evidente utilidade”, anteriormente prevista no art. 66, não nos parece que o devedor esteja isento de demonstrar os benefícios provenientes da alienação antecipada de ativos, como, por exemplo, a destinação dos recursos, a ausência de prejuízo aos credores e a urgência que não permita aguardar a aprovação e a homologação do plano. De outro modo, seria uma carta em branco para o devedor esvaziar a sociedade antes da aprovação no conclave de credores e não empregar o dinheiro para pagá-los.

 

Ademais, o § 1º do art. 66, inserido pela reforma, estabelece um procedimento de convocação de AGC para deliberar sobre as vendas de ativos que não estejam previstas no plano de recuperação judicial. Nos termos do referido dispositivo, no prazo de cinco dias contados da publicação da decisão que autorizar a alienação de ativos, os credores com mais de 15% dos créditos concursais poderão manifestar ao administrador judicial interesse em realizar uma assembleia para deliberar sobre a venda. Nas 48 horas posteriores ao final do prazo para manifestar interesse sobre a AGC, o administrador judicial deverá apresentar um relatório das manifestações recebidas e requererá a convocação da assembleia de forma mais célere, eficiente e menos onerosa possível. Por força do § 2º do art. 66, as despesas com a convocação da assembleia ficarão a cargo dos credores que manifestarem interesse na realização do conclave, o que pode desestimular a utilização desse instrumento.

 

Outra importante inovação da Lei 14.112/2020 diz respeito às modalidades de venda de ativos nos processos falimentar e de recuperação judicial. A antiga redação do art. 142 previa que a alienação de ativos se daria por meio de lances orais, propostas fechadas e pregão. Todavia, o dispositivo foi alterado para prever: (i) leilão eletrônico, presencial ou híbrido; (ii) processo competitivo organizado por agente especializado, que deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de recuperação judicial ou ao plano de realização de ativos; e (iii) qualquer outra modalidade proposta no plano de recuperação judicial, desde que aprovado pela AGC e pelo juiz.

 

Com a inserção do art. 66-A na Lei 11.101/05, o legislador reformista positivou a impossibilidade de desfazimento da venda de ativos – prevista no plano de soerguimento ou objeto de autorização judicial – após o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.

 

A possibilidade de impugnar a venda de ativos também foi limitada pela reforma, pois o § 1º do art. 143 impõe que a impugnação seja acompanhada por oferta do impugnante ou de terceiros para aquisição do bem, por valor superior ao valor de venda que está sendo impugnada, e mediante oferecimento de caução de 10% do valor oferecido. Além disso, o § 4º do mencionado dispositivo prevê a aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça em caso de suscitação infundada por parte do impugnante. Parece-nos exagerada a opção do legislador. O impugnante, conquanto não interessado na aquisição do ativo, pode demonstrar que a venda se deu por preço vil ou que alguma condição de mercado atual ocasionou a baixa procura de interessados. Nessas hipóteses, em vez de permitir a alienação do bem por valor muito inferior ao de mercado, o juiz pode autorizar nova tentativa de alienação em espaço de tempo que seja suficiente para alcançar mais propostas e, ao mesmo tempo, evitar os prejuízos decorrentes da demora de efetivação do pagamento dos credores.

 

11. A extensão dos efeitos da falência

 

1.A extensão dos efeitos da falência, essencialmente, consiste na responsabilização solidária de terceiros – normalmente sócios, administradores e sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico – no pagamento das dívidas do falido e na transferência das demais obrigações provocadas pela decretação da falência, como o encerramento da atividade e liquidação de seus ativos.

 

Nossos tribunais sempre admitiram a teoria da extensão dos efeitos da falência, uma vez constatada a utilização abusiva da sociedade falida como forma de evitar o pagamento de credores e de propiciar sistemáticos desvios de patrimônio[4].

 

A ampliação dos efeitos da falência dependeria, assim, dos mesmos pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica, alcançando sócios, administradores, controladores e terceiros beneficiários, que praticaram atos de confusão patrimonial ou desvios de finalidade.

 

A Medida Provisória n. 881/19 – a conhecida Medida Provisória da Liberdade Econômica – buscou avançar, por meio da introdução do art. 82-A, sobre a regulamentação do procedimento de extensão dos efeitos da falência, que ficaria condicionada à prova dos mesmos requisitos do art. 50 do Código Civil.

 

Embora a Medida Provisória n. 881/19 tenha sido convertida na Lei n. 13.874/19, tal dispositivo não foi incluído na versão aprovada pelo congresso brasileiro, o que levou à perda da sua eficácia. Todavia, a Lei n. 14.112/20 cuidou de regular o tema, criando regras específicas quanto ao prolongamento dos efeitos da falência a terceiros.

 

O novo art. 82-A da Lei n. 11.101/05 estabelece uma proibição geral de extensão dos efeitos da falência aos sócios, controladores ou administradores. O mesmo dispositivo, todavia, excepciona esta regra e admite que a medida – tida como excepcional – seja levada a efeito quando presentes os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica.

 

O art. 6º-C, recém introduzido, reforça o entendimento de que o mero inadimplemento constitui uma causa inidônea para a responsabilização de terceiros por dívidas do devedor falido. A reforma impacta, pois, a recuperação de créditos advindos das relações de trabalho, haja vista o entendimento atualmente utilizado pela Justiça Laboral, com base na teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, no sentido de que o inadimplemento injustificado é suficiente para ocasionar a responsabilização de sócios da empresa devedora.

 

O art. 82-A, parágrafo único, da Lei n. 11.101/05 disciplinou o procedimento destinado à desconsideração da personalidade jurídica.

 

A primeira característica do procedimento consiste no fato de atribuir competência absoluta e exclusiva ao juízo falimentar para o exame dos requisitos e para a decisão de extensão dos efeitos da falência a terceiros. Significa dizer que tal procedimento – que resulta na responsabilização de terceiros pela integralidade das dívidas do falido e em obrigações falimentares específicas – somente pode ser processado e julgado pelo juízo universal falimentar.

 

Por óbvio, ainda se concede aos credores, como consequência do acesso universal à justiça, nas suas ações particulares, a prerrogativa de buscar a responsabilização de terceiros, por meio da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, limitando-se a responsabilidade, todavia, ao seu crédito, perseguido na ação individual.

 

A competência exclusiva do juízo falimentar somente é inaugurada quando o procedimento de desconsideração assume contornos coletivos, transferindo todas as obrigações provenientes da falência ao terceiro e transformando-o juridicamente em falido.

 

O segundo atributo, por outro lado, consiste no fato de que a desconsideração da personalidade da sociedade falida deverá observar as regras de direito material previstas no art. 50 do Código Civil – que prevê a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica – e as regras de direito processual que regulamentam o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previstas nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil – que privilegiam o contraditório –, não aplicando a suspensão do procedimento, prevista no art. 134, § 3º, do CPC, quando instaurado o incidente.

 

12. A modificação da ordem de pagamento dos credores

 

1.A Lei n. 14.112/20 promoveu duas substanciais alterações na ordem de pagamento dos credores concursais – que se sujeitam ao concurso falimentar de credores – e aos credores extraconcursais – que não se sujeitam à falência e devem ser pagos, prioritariamente, aos credores concursais.

 

A primeira modificação consistiu na eliminação da prioridade de pagamento dos credores concursais com privilégios gerais, revogando-se o inciso VI, do art. 83 da Lei n. 11.101/05. Dessa forma, a natureza jurídica dos créditos com privilégio geral passou a ser rigorosamente a mesma dos créditos quirografários.

 

A revogação do inciso IV do art. 83 da Lei n. 11.101/05 já deixava subentendida a exclusão da classe de credores titulares privilégios gerais e especiais.

 

No entanto, a Lei n. 14.112/20 introduziu o § 6º, no art. 83, de acordo com o qual os créditos com privilégio especial ou geral, para todos os efeitos, integrarão a classe de credores quirografários.

 

A segunda alteração introduzida pela reforma traduz-se na instituição de uma nova fila de pagamento dos créditos extraconcursais. Em primeiro lugar, os valores arrecadados com a massa falida devem ser destinados ao pagamento de despesas indispensáveis à administração da falência e de credores trabalhistas, cujos salários venceram três meses antes da decretação da falência (art. 84, inciso I-A da Lei n. 14.112/20).

 

Em seguida, serão pagos os credores que financiaram o devedor durante a tramitação do processo de recuperação judicial, antes do decreto falimentar. É uma medida louvável de modo a estimular o financiamento dos devedores,[5] como a melhor forma de recuperar uma empresa (art. 84, inciso I-B da Lei n. 14.112/20).

 

Em terceiro lugar, serão pagos os credores que ingressaram com pedido de restituição em dinheiro – e não do bem ainda em posse do devedor. Antes da alteração, o credor que preenchia as condições para o pedido de restituição em dinheiro não possuía uma posição na fila para pagamento dos credores extraconcursais (art. 84, inciso I-C da Lei n. 14.112/20).

 

Em quarto, serão pagas as remunerações do administrador judicial, seus auxiliares, os reembolsos aos membros do Comitê de Credores e os créditos derivados da legislação trabalhista relativos a serviços prestados após a decretação da falência (art. 84, inciso I-D da Lei n. 14.112/20).

 

Em quinto, situam-se as obrigações decorrentes de atos jurídicos praticados durante a recuperação judicial ou após a decretação da falência – que, anteriormente, localizavam-se no final da ordem de pagamento dos credores extraconcursais (art. 84, inciso I-E da Lei n. 14.112/20).

A fila de pagamento de credores extraconcursais a partir do inciso II do art. 84 foi mantida, sofrendo os incisos meras alterações redacionais.

 

13. A alteração do prazo para extinção das dívidas do falido

 

1.A alteração mais importante inserida pela Lei n. 14.112/20 a respeito do processo falimentar foi, inegavelmente, a considerável redução do prazo prescricional para extinção das dívidas do falido.

 

No regime jurídico antes da reforma, fazia-se necessária a prolação da sentença de encerramento da falência – que ocorria quando ultrapassadas as fases de classificação dos créditos, arrecadação de bens, realização do ativo e pagamento do passivo – para deflagrar o termo inicial do prazo prescricional das dívidas do falido – conforme previa o revogado art. 157 da Lei n. 11.101/05.

 

Encerrada a falência por sentença, as dívidas seriam extintas, nos termos do antigo art. 158, por força do (i) pagamento de todos os créditos; (ii) pagamento de 50% dos créditos quirografários; ou (iii) do decurso de 5 anos, se não cometido crime falimentar ou de 10 anos, se cometido.

 

Com a nova redação do art. 158, as obrigações do falido serão agora aniquiladas pelo (i) pagamento de todos os créditos; (ii) pelo pagamento de apenas 25% dos créditos quirografários; ou (iii) pelo mero transcurso do prazo de três anos contados da sentença que decreta a falência.

 

Dessa forma, além da diminuição do percentual dos créditos quirografários que deveriam ser pagos, o marco inicial para a contagem inicial regrediu da sentença de encerramento da falência – que, normalmente, se arrasta por anos nos tribunais – para o decreto falimentar.

 

Após excedido o triênio legal, computado a partir do decreto de falência, todas as obrigações contraídas pelo falido estarão automaticamente extintas, bastando que o juízo falimentar declare a extinção das obrigações por sentença. Inobstante, os bens arrecadados e ainda não alienados continuarão respondendo pelo pagamento das dívidas do falido.

 

A aniquilação das dívidas, naturalmente, apenas favorece o falido – e não eventuais coobrigados de regresso ou devedores solidários em relação a quem o credor poderá continuar as suas execuções[6].

 

O pronunciamento judicial declaratório do decurso do prazo prescricional e de extinção das obrigações não precisa ser mais editado por meio de uma sentença – como ainda exige o art. 159, que não foi modificado pela nova legislação – mas poderá ser – e muito provavelmente será – uma decisão interlocutória, no curso do processo e sem encerramento da falência, recorrível por agravo de instrumento. Isso porque a sentença é destinada aos provimentos jurisdicionais que põem fim ao processo (art. 203, § 1º, do CPC). Com a nova sistemática, dificilmente o juiz poderá encerrar o processo quando da extinção das obrigações do falido, pois ainda estará pendente, provavelmente, a prática de atos como avaliação, venda de ativos e pagamento de créditos. Dessa forma, o decisum terá natureza de decisão interlocutória.

 

Além disso, o § 10 do art. 10 – introduzido pela Lei n. 14.112/20 – estabelece que os credores disporão do prazo decadencial de 3 anos para requerer a habilitação ou requerer reserva do crédito ao juízo falimentar, findo o qual será considerada extinta qualquer obrigação.

 

Por óbvio, o novo art. 158, V, afirma que os credores regularmente habilitados ou que formulam pedidos de reserva receberão o seu pagamento com os recursos arrecadados no processo falimentar, ainda que o falido tenha sido liberado de suas obrigações.

 

Com esta alteração, o direito brasileiro mais se aproxima do direito americano, em que a falência não é vista como uma punição pela má-administração e inaptidão de gestão do seu negócio, mas um instituto concebido para conceder uma nova chance de reinserção do empresário no mercado.

 

A extinção das obrigações está diretamente ligada à reabilitação dos direitos empresariais do falido, permitindo, assim, que retorne à vida comercial, tão logo excedido o prazo prescricional trienal.

 

14. Parcelamento Fiscal

 

1.A lei 11.101/05 pouco se debruçou sobre os impactos fiscais na recuperação judicial. Dedicou-se ao tema, de forma tímida, no seu artigo 68, o qual prescreve que as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos no CTN.

 

A possibilidade de parcelamento da dívida do contribuinte em recuperação judicial encontra guarida legal, portanto, no art. 68 da Lei 11.101/95, 155-A, §§ 3º e 4º do CTN e 10-A da Lei 10.522/02, o qual dispõem que o empresário ou a sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial poderá parcelar seus débitos com a Fazenda Nacional, em 84 (oitenta e quatro) parcelas mensais e consecutivas.

 

Apesar de uma interpretação literal da legislação conduzir à constatação de que seria mera faculdade da Fazenda Pública e do INSS a concessão do parcelamento da dívida, a jurisprudência do STJ, por meio de uma interpretação sistemática da matéria, se inclinou no sentido de que o parcelamento do crédito tributário constitui direito do devedor em recuperação judicial (Resp nº 1.187.404/MT).

 

Na linha da interpretação adotada pelo STJ, o legislador reformista cuidou de instituir providências especiais para o crédito tributário, conferindo-lhe um tratamento mais harmônico com a teleologia da Lei 11.101/05.

 

Os arts. 10-A e 10-B da Lei 14.112/20 preveem uma regulamentação minuciosa acerca do parcelamento do crédito tributário do devedor em recuperação judicial, que não é, todavia, mandatória: o devedor permanece com a opção de liquidar seus créditos tributários por meio de outra modalidade de parcelamento instituída por lei federal (§ 1º do art. 10-A).

 

De acordo com o parcelamento disciplinado na reforma, o crédito poderá ser parcelado em até 120 prestações mensais e sucessivas, correspondentes a um percentual mínimo previsto em lei (inciso V do art. 10-A).

 

Em relação aos débitos administrados pela Receita Federal, poderá a empresa devedora utilizar os créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para fins de liquidar até 30% da dívida consolidada no parcelamento, e, caso o devedor opte por essa modalidade, poderá proceder ao parcelamento do restante da dívida em até 84parcelas, observando os percentuais mínimos previstos em lei (inciso VI do art. 10-A).

 

Os requisitos para a concessão do parcelamento – seja a modalidade descrita no inciso V do art. 10-A, seja aquela descrito no inciso VI do mesmo artigo – estão descritos no § 2º-A, o qual impõe que a empresa (i) forneça à Receita Federal e à PGFN todas as informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros; (ii) amortize o saldo devedor do parcelamento com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período da vigência do plano de recuperação judicial; (iii) mantenha a regularidade fiscal; e (iv) cumpra de forma regular as obrigações perante o FGTS.

 

Ainda que obtido o parcelamento, não haverá a liberação dos bens e dos direitos do devedor ou de seus responsáveis que tenham sido constituídos em garantia dos créditos parcelados, nos termos do § 6º do art. 10-A da Lei 14.112. No entanto, à medida que as parcelas forem sendo pagas pelo devedor, pode o juiz autorizar a liberação de parte dos bens dados em garantia se ficar demonstrado que a garantia remanescente é suficiente para a satisfação do crédito em eventual inadimplemento.

 

Dentre as causas de exclusão da recuperanda do parcelamento, todas elencadas no § 4º do art. 10-A da Lei 14112, destacam-se: (i) a falta de pagamento de seis parcelas consecutivas ou de nove parcelas alternadas; (ii) a falta de pagamento de uma até cinco parcelas, se toda as demais estiverem pagas; (iii) a constatação, pela Receita Federal ou pela PGFN de eventual ato tendente ao esvaziamento patrimonial do sujeito passivo como forma de fraudar o cumprimento do parcelamento; (iv) a decretação de falência ou extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica optante; (v) a declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica; e (vii) a extinção sem resolução do mérito ou a não concessão da recuperação judicial, bem como a convolação desta em falência.

 

Com o advento de qualquer das causas de exclusão da recuperanda do parcelamento (com exceção daquelas descritas nos incisos IV e VII), nasce, para a Fazenda Pública, a faculdade de requerer a convolação da recuperação judicial em falência, conforme preceitua o § 4º, IV, do art. 10-A. Trata-se de relevante modificação do sistema atual, a qual contraria a atual jurisprudência do STJ no sentido da ilegitimidade da Fazenda Pública para o requerimento da falência da empresa (REsp 164.389/MG).

 

15. Supervisão Judicial

 

1.Além de regulamentar, com maior detalhamento, o parcelamento fiscal do crédito tributário devido pelo empresário em recuperação judicial, a reforma da Lei 11.101/05 promoveu significativa modificação no que tange ao período de supervisão judicial.

 

Na sistemática anterior, a lei previa, no seu art. 61, que a partir da decisão homologatória do plano de recuperação judicial, o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial. Apenas após o transcurso do biênio de supervisão judicial, o juiz declararia definitivamente encerrada a Recuperação Judicial.

 

Com a reforma, a redação do art. 61 foi modificada, de modo que a imposição, ou não, de um biênio no qual o devedor ficará sob supervisão judicial, decorrerá da discricionariedade do juiz, que “poderá determinar a manutenção do devedor em recuperação judicial até que sejam cumpridas todas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial, independentemente do eventual período de carência.”

 

Pela leitura do novo art. 61, a recuperação judicial poderá ser encerrada antes do prazo de 2 anos, contados da concessão da recuperação judicial, que constituirá um limite temporal à supervisão judicial, e não mais uma exigência.

 

Ademais, vê-se que a parte final da nova redação do art. 61 cuidou de sanar antiga controvérsia acerca do termo inicial do prazo de supervisão judicial, de modo que, independentemente da existência de prazo de carência previsto no plano de recuperação, o cômputo do biênio de eventual supervisão judicial se iniciará quando da concessão da recuperação judicial.

 

16. Novas hipóteses de convolação da RJ em falência

 

1.A disciplina das hipóteses da convolação da recuperação judicial em falência está prevista no art. 73, o qual dispunha, antes da reforma, que o juiz decretaria a falência durante o processo de recuperação judicial: (i) por deliberação da assembleia geral de credores, na forma do art. 42; (ii) pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 da; (iii) quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56 ; e (iv) por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1o do art. 61.

 

Foram três as modificações substanciais promovidas pela reforma, quais sejam: a alteração da redação do inciso III e o acréscimo de dois incisos, que instituem duas novas hipóteses da convolação da recuperação judicial em falência.

 

Quanto à primeira modificação, o legislador cuidou de contemplar, nas hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, a novidade trazida pela reforma no sentido de se admitir que os credores elaborem um plano de recuperação judicial alternativo. Assim, acaso seja rejeitado o plano de recuperação elaborado pelos devedores, a recuperação será convolada em falência somente se (i) ausentes as condições de votação do plano de recuperação judicial ofertado pelos credores; ou (ii) se o plano elaborado pelos credores for rejeitado.

 

Em relação à segunda modificação, a reforma inseriu, no art. 73, o inciso V, o qual estipula que, caso o devedor descumpra o parcelamento fiscal ou a transação firmada com o Fisco, será convertida a recuperação judicial em falência. Quanto a essa hipótese, uma análise do citado inciso em conjunto com a disposição contida no § 4º do art. 10-A, conduz à interpretação no sentido de que não é qualquer descumprimento do parcelamento que ensejará a convolação em falência, mas apenas aquelas que redundam na exclusão do devedor do parcelamento, as quais foram descritas no primeiro tópico desta exposição.

 

Por fim, no art. 73, do inciso VI, a reforma passou a prever a convolação da recuperação judicial em falência se identificado o esvaziamento patrimonial do devedor, que implique na liquidação substancial da empresa, em prejuízo aos credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas.

 

Com o objetivo de facilitar a atividade do intérprete, o legislador reformista dispôs acerca do conceito da liquidação substancial a que se refere o inciso VI, prevendo, no § 3º do art. 73, que se considera substancial a liquidação quando não forem reservados bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa futuro suficientes à manutenção da atividade econômica para fins de cumprimento de suas obrigações.

 

Em reforço ao disposto no art. 73, parágrafo único, a nova hipótese de convolação evidencia a necessidade de o devedor se planejar não só para o pagamento dos créditos novados pelo plano de recuperação judicial, mas também para o pagamento dos créditos extraconcursais, sob pena de possibilidade de decretação da quebra.

 

17. A possibilidade de financiamento de empresa em RJ e suas vantagens e desvantagens para o financiador

 

1.O financiamento da empresa devedora durante o curso da recuperação judicial, apesar de consistir em um dos mecanismos mais importantes para a superação da situação de crise econômico-financeira da recuperanda, não recebia tantos estímulos pela redação original da Lei 11.101/05.

 

Limitava-se o legislador a dispor que o financiamento contraído pelo devedor durante a recuperação teria o caráter de crédito extraconcursal e ocuparia a quinta (e última) posição na ordem de preferência dessa modalidade de crédito em caso de falência (art. 67, caput e 84, V). Na tentativa de oferecer algum incentivo aos financiadores, a lei conferia singela vantagem aos fornecedores de bens e serviços que continuassem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, garantindo que os seus créditos quirografários que se sujeitassem à recuperação judicial tivessem privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência (art. 67, parágrafo único).

 

Contudo, o legislador reformista instituiu normas voltadas a conferir ao financiador (que pode ser qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo do devedor, conforme dicção expressa do art. 69-E) maior segurança jurídica, o que facilita, consequentemente, a obtenção de crédito pela recuperanda.

 

Houve relevante modificação no art. 84, de modo que, se na redação anterior da lei, o crédito do financiador ocupava o quinto lugar na ordem de preferência de créditos extraconcursais em caso de quebra, passou a preferir a todos os créditos extraconcursais, exceto aqueles previstos no art. 150 (despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência) e 151 (créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência).

 

Além disso, a nova Lei conta com uma seção específica voltada à regulamentação dos financiamentos eventualmente obtidos pelo devedor durante a recuperação judicial (Seção IV-A).

 

Dispõem os arts. 69-A e 69-B que a autorização judicial para celebração dos contratos de financiamento com o devedor será precedida de oitiva do Comitê dos Credores, e que a modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, tampouco as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, na hipótese de o desembolso dos recursos já ter sido efetivado.

 

Ademais, o legislador também permite que o juiz autorize a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador, podendo dispensar a anuência do detentor da garantia original (art. 69-C).

 

Assim, numa perspectiva comparativa, a reforma trouxe vantagens significativas ao credor do financiamento, cujo crédito foi alçado a uma posição de maior vantagem na ordem de preferência.

 

18. Recuperação extrajudicial

 

1.A Lei 14.112 trouxe poucas, mas importantes alterações na regulamentação da recuperação extrajudicial. Esse instituto permite que a empresa em dificuldade negocie com credores da mesma espécie ou classe – fornecedores, bancos etc. – antes da judicialização do pedido de proteção. Dessa forma, uma vez alcançado um acordo satisfatório com seus credores, a devedora pode levar o plano de recuperação extrajudicial à homologação judicial, ocorrendo a novação.

 

Antes da reforma, para que fosse possível obter a chancela do Poder Judiciário e impor as novas condições a todos os credores da classe, era necessário alcançar a aprovação de no mínimo 3/5 de todos os créditos envolvidos. Se atingido esse número, todos os credores da classe, inclusive aqueles que não concordaram com as condições propostas pela empresa devedora, passavam a estar submetidos àquilo que fora estipulado no plano.

 

Com a reforma, o quórum necessário diminuiu e passou a ser de maioria simples do total dos créditos da classe ou espécie. Em resumo, se a empresa devedora possui R$ 10 milhões de dívida com fornecedores, por exemplo, basta negociar e obter a concordância de credores representativos de pelo menos 50% mais um para que o plano de recuperação extrajudicial proposto tenha eficácia perante todos os fornecedores.

 

Essa é, portanto, uma alteração bastante significativa, tornando a recuperação extrajudicial um instrumento de renegociação de dívidas bastante atrativo.

 

A Lei 14.112 também ampliou o rol de credores que podem se submeter à recuperação extrajudicial. Embora exclua dessa possibilidade de negociação os créditos tributários, o novo art. 161, § 1º dispõe que estão sujeitos à recuperação extrajudicial os créditos de natureza trabalhista e decorrentes de acidentes de trabalho, dependendo, porém, de negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. É mais uma alteração que potencializa a eficácia dessa forma de repactuação.

 

A empresa em dificuldade pode optar pela veiculação judicial do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial antes de ter encerrado a negociação com seus credores. Basta que comprove a anuência de credores que representem pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie abrangida pelo plano e passe a ter o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 dias, contado da data do pedido, atingir o quórum de mais da metade, por meio de adesão expressa. Durante esse período, uma vez cumpridos os requisitos previstos no art. 163, § 7º, ficam suspensas as execuções referentes a créditos concursais cujas espécies estão abrangidas pelo plano de recuperação extrajudicial (ar. 163, § 8º).

 

O art. , § 8º da Lei 11.101 agora estabelece que a homologação de recuperação extrajudicial “previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor”. Desse modo, não cumprido o plano e havendo pedido de recuperação judicial ou requerimento de falência, o juízo no qual ocorreu a homologação do plano de recuperação extrajudicial terá competência funcional – e, portanto, absoluta – para o processamento do novo processo.

 

19. Aspectos processuais gerais da reforma da Lei n. 11.101/05

 

1.Os processos de recuperação judicial e de falência possuem peculiaridades próprias, que contemplam não só objetivos e princípios específicos, mas também institutos próprios. Entre eles, encontram-se as habilitações e impugnações de crédito, divergências ou habilitações administrativas, objeções ao plano de recuperação judicial, e tantos outros mais, cada qual com seus prazos específicos determinados pela Lei 11.101/05.

 

Justamente por buscar seguir o princípio da preservação da empresa, os processos recuperacionais e falimentares possuem como norte também dois importantes princípios, o da celeridade e o da efetividade.

 

Dentro desse contexto, ainda sob a vigência da antiga redação da Lei 11.101/05, instaurou-se uma relevante discussão, tanto na doutrina, como na jurisprudência, sobre a forma de contagem dos prazos processuais no âmbito dos procedimentos previstos na Lei 11.101/05.

A controvérsia surgiu principalmente em razão do antigo teor do artigo 189 da Lei 11.101/05, que previa a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil no âmbito das recuperações judiciais e falências, ao estabelecer que “aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei”.

 

Apesar da previsão contida no Código de Processo Civil de que os prazos processuais serão contados em dias úteis (CPC, art. 219), acendeu-se o sinal de alerta quanto à incompatibilidade dessa forma de contagem com os princípios que conduzem a recuperação judicial e a falência, sobretudo o da celeridade.

 

O Superior Tribunal de Justiça, instado em diversas ocasiões a enfrentar esse tema, chegou a consolidar o entendimento, por exemplo, de que os prazos de 180 dias do stay period e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial deveriam ser contados de forma contínua[4].

 

Ainda na esfera jurisprudencial, entendia-se, de uma forma geral, que a contagem dos prazos relativos a institutos próprios dos processos de recuperação judicial e falência deveriam ser contados em dias corridos[5]. Já os demais prazos, tais como os prazos recursais e aqueles relacionados aos demais atos processuais, deveriam ser contados em dias úteis, conforme vinha entendendo o Superior Tribunal de Justiça[6].

 

Nesse aspecto, a Lei 14.112/2020 trouxe uma relevante alteração na Lei nº 11.101/05, modificando a redação do artigo 189 e reforçando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, mas incluindo a ressalva de que a sua aplicação será observada “desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei”.

 

Mas a grande novidade foi a inclusão do § 1º do artigo 189, que, em seu inciso I, passou a prever expressamente que todos os prazos previstos na Lei 11.101/05 ou aqueles que dela decorram serão contados em dias corridos.

 

Apesar de certa ambiguidade na redação do novo dispositivo, parece-nos que a intenção do legislador foi estabelecer a contagem dos prazos previstos na Lei 11.101/05 em dias corridos, desde que próprios do procedimento recuperacional e falimentar, mantendo em dias úteis a contagem dos prazos previstos no Código de Processo Civil, tais como os prazos recursais, na esteira do entendimento que já vinha sendo adotado por parcela da jurisprudência.

 

Avançando um pouco mais no § 1º do artigo 189, agora em seu inciso II, encontra-se uma outra significativa mudança, consistente na previsão de cabimento do agravo de instrumento contra todas as decisões proferidas nos processos a que se refere a Lei 11.101/05, exceto nas hipóteses em que estiver previsto de forma diversa.

 

A alteração legislativa veio apenas para positivar o recente entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos, ocasião na qual se fixou a seguinte tese: “É cabível agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, CPC” (Tema 1022 do STJ).

 

Ainda sob o enfoque processual, a inclusão do § 2º do artigo 189 outorgou às partes dos procedimentos concursais – credor e devedor – a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais, na forma do artigo 190 do CPC.

 

Pela redação do recém incluído dispositivo, a celebração de negócios jurídicos processuais exigirá a manifestação expressa do devedor, ao passo que a manifestação de vontade dos credores será obtida por maioria em assembleia geral de credores, na forma do artigo 42 da Lei 11.101/05.

 

A novidade é relevante, pois permite que credores e devedores entrem em consenso quanto aos procedimentos previstos na Lei n. 11.101/05, podendo, por exemplo, convencionar sobre prazos importantes no âmbito da recuperação judicial e da falência, tais como os prazos para apresentação do plano de recuperação judicial, veiculação de impugnações e habilitações de crédito, dentre tantos outros.

 

Por fim, como qualquer deliberação aprovada em assembleia geral de credores, caberá ao magistrado exercer o controle de validade dos negócios processuais, conforme determina o artigo 190, parágrafo único, do CPC.

 

Conclusão

 

1.Buscamos, ao longo das seis partes deste estudo, analisar a principais alterações promovidas pela Lei 14.112/2020, que representa uma verdadeira reforma da Lei 11.101/05.

As mudanças são significativas e muitas delas são inéditas, como é o caso do tratamento legal da insolvência transnacional, da possibilidade de apresentação do plano de recuperação judicial pelos credores e das novas atribuições do administrador judicial, apenas para citar algumas.

 

Outras, não menos importantes, apenas vieram para reforçar, aprimorar e positivar o entendimento jurisprudencial que já vinha sendo aplicado pelos Tribunais sobre alguns institutos, como, por exemplo, a possibilidade de prorrogação do stay period, o cabimento de agravo de instrumento contra as decisões proferidas nos procedimentos na Lei 11.101/05, a inclusão da constatação prévia por profissional especializado, a autorização do DIP financing, como tantas outras.

 

Dada a complexidade da disciplina legal destinada à reestruturação e falência de empresas, algumas perguntas ainda estão sem respostas, e certamente dúvidas inéditas surgirão a partir da vigência da Lei 14.112/2020. Caberá aos Tribunais a tarefa de interpretar a legislação à luz dos princípios e objetivos que norteiam os processos recuperacionais e falimentares, enquanto aos credores, devedores e demais sujeitos processuais deverão se adaptar a esse novo sistema.

 

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